Auto-manipulação

25-05-2013 21:22

Uma das razões pela qual o adicto é tão bom a manipular os outros, e por praticar diariamente consigo mesmo.

A outra das razões e o facto de ter mestres de manipulaçao ao seu redor a dar o exemplo.

"Uma das coisas em que sou melhor é em enganar-me a mim mesmo, com mentiras nas quais caio uma e outra vez de tantas vezes me esquecer que das outras vezes também parecia verdade".

É como a mosca que dá turras sucessivas no vidro da janela, achando que de cada vez é que vai mesmo conseguir voar para fora.

A manipulação é um dos maiores venenos e mora no cerne de uma das principais razões pela qual é tão difícil sair do ciclo de adicção.

Mergulhados nesse ciclo, até nos esquecemos que é um ciclo, que conhecemos ao milimetro e que se chama ciclo por isso mesmo, por se repetir espantosamente igual, por mais variáveis que pareçam existir no reino das nossas ilusões ingénuas e ao mesmo tempo tão perigosas.

Uma das razões pelas quais o adicto se deixa manipular tão miserávelmente é o facto de que está mais que habituado ao mecanismo por ele mesmo, como um forma de estar que se torna uma maneira de ser.

O açucar, as drogas, as arrumações e as limpezas de casa, o trabalho, a adrenalina, a televisão, a internet, tantas coisas aparentemente presentes na vida de tanta gente; para o adicto são como uma dupla arma branca, que chama e envolve no engodo de uma espécie de auto-medicação para o conforto possível; para logo de seguida enterrar o adicto nas profundezas da sua própria desgraça humana que esteve sempre ali, a distorcer a realidade e a torcer a malha do auto-engano como um tear torto.

Quando por dentro deixámos nascer uma mentira omnipresente, a contaminar a nossa capacidade de distinguir a verdade do que realmente no falta; precisamos de algo exterior que nos traga à tona, do pesadelo daquilo em que se tornou a nossa escolha entre terrível e péssimo. Entre a ressaca ou a ressaca adiada. E a sempre presente dúvida sobre se alguma vez seremos capazes de saír dali.

Faz falta alguém que entrou, mergulhou e conseguiu saír. E que depois de saír, voltou a mergulhar e voltou a saír. Esses conhecem a porta.

Mais ninguém.

Quem conhece a porta tem a força de dizer em palavras simples que nenhuma mentira vale a pena quando o preço é a nossa alma. Quando o preço é o valer a pena da nossa vida.

Quem mergulhou sabe que viver pode parecer melhor que morrer. E saber mesmo assim o porquê de valer a pena: Acordar. Voltar à vida. Renascer. Renascer para uma espécie de vida que não existia antes. Por ser uma vida na qual já somos capazes de deixar de fora tudo o que um dia nos fez cair.

Renascer sem as pessoas, os mecanismos, as mentiras, o desrespeito. Renascer sem o massacre da escolha impossível porque as escolhas já foram feitas e agora é só caminhar. A direcção existe e vê-se. O projecto existe e é partilhado. Existe informação, existe sempre alguém com o telefone, com o coração atento. Com discernimento de dentro para fora. Profundo e resolvido.

Só se renasce quando se compreende o poder da manipulação e se fecha essa porta. Quando a verdade passa a ser os óculos com que observamos os outros e a nós mesmos.

Sobretudo a nós mesmos.