Uma dependência?

04-05-2010 15:58

Já muitas vezes neste site foi referido que a adicção não é uma doença de indivíduo embora se manifeste mais num ou outro indivíduo. A adicção é uma doença de família que decorre de dinâmicas das famílias.

Esta é uma abordagem que pode confundir aqueles que sendo família de adictos activos, não percebem que dinâmica é essa que cria tanto sofrimento. Já que a linha que separa saudáveis de adictos parece clara e bem definida.

Essa aparência é, em grande medida, um dos maiores obstáculos à recuperação do adicto já que envolve todos numa cegueira que contribui para acumular vergonha e culpa no lado do adicto e para a perpetuação de comportamentos padronizados doentios da parte dos que o rodeiam.

 

A maior parte dos co-dependentes vive em negação da sua adicção. Não faz a menor ideia de que é adicto e, provavelmente diria dessa ideia que é o maior absurdo. "Ajuda" os seus familiares porque é sua obrigação e porque os ama. Que mais podería fazer? Claro que se uma pessoa ao seu lado não consegue dar um passo direito, alguém tem de ajudar.

O co-dependente mais típico pertence ao grupo: mães, irmãs e mulheres. Mas também pais, namorados e irmãos podem viver em relações de profunda co-dependência. Também existe muita co-dependência em profissionais de ajuda desde enfermeiros a assistentes sociais, passando por bombeiros, médicos..., em membros de voluntariado, em membros de grupos de 12 passos...

 

Então todas as pessoas que ajudam adictos são co-dependentes e logo adictas também? Ajudar é ser co-dependente?

Claro que não!

 

E se perguntarmos a 99% dos co-dependentes se se consideram adictos no sentido de precisarem que alguém precise deles para se sentirem bem como pessoas dirão imediatamente que não, pelo contrário. Aguardam ansiosamente que os outros deixem de precisar de tanta ajuda para puderem finalmente ser mais felizes e descansar e aproveitar mais a vida.

Ora isto é precisamente a lógica que nos dá uma pista sobre identificar a co-dependência.

 

Façamos esta pergunta num exame sincero de consciência:

- Estamos a viver plenamente? Ou temos os nossos planos adiados porque alguém parece estar sempre a precisar da nossa constante dedicação?

- Esta ou estas pessoas que ajudamos, mudaram na sequência da nossa ajuda? Ou será que podemos dizer que está tudo bastante na mesma?

- Como vai a sua vida pessoal? Planos, projectos, entusiasmos, envolvimento...? Tem feito coisas interessantes ultimamente? Quando foi que se sentiu a viver plenamente a sua vida a última vez?

 

Se reparar, os terapeutas que realmente ajudam adictos no seu processo de recuperação, têm vida própria. Trabalham dedicadamente, mas depois vão às suas vidas. Têm amigos, família, divertimento, projectos. Desenvolvem eventualmente outras actividades. E, se assim não for, algo de errado se passa.

Não precisam de viver com o centro das suas vidas nos adictos que assistem. Nem podem.

 

Quando ajudamos alguém de forma saudável, o nosso peito fica feliz, sentimo-nos bem,. é uma sensação enriquecedora, fortalecedora, e que nos carrega as baterias.

Quando ajudamos de forma co-dependente, ficamos cansados, sentimo-nos confusos, despojados da nossa vida, o adicto parece sugar-nos a vontade de viver outras coisas. Deixa de fazer sentido.

 

Um co-dependente pode ajudar alguém?

Pode.

Como?

Recuperando-se a si mesmo.

E não vale a pena protestar com esta resposta. Podemos dar a volta que quisermos à história. Continuar a acreditar que sem nós o adicto já tinha morrido. Como se tantos não morressem mesmo assistidos. Como se realmente algo, alguma vez, tivesse realmente dependido do co-dependente.

Infelizmente esta é outra das evidências estatísticas em que o co-dependente se recusa a acreditar.