Alguns apontamentos sobre recuperação

06-04-2010 20:34

Recuperar remete para passado, recuperar faz lembrar algo que se perdeu e que se tenta voltar a ter.

Não podemos voltar atrás no tempo, mas o que fazemos com o nosso passado, fazêmo-lo no presente, já que o futuro... é sempre no futuro. Resta-nos o presente para recuperar.

Será que se consegue recuperar sozinho?

Será que se consegue recuperar do que nem sequer se compreende?

Será que se consegue recuperar de umas coisas mantendo todas as outras?

Será que se consegue recuperar mas "só um bocadinho"?

Estas perguntas lembram-me as ilusões que se escondem por detrás de tanta recaída e de tanta pseudo-recuperação, na qual as pessoas apenas se enterram cada vez mais na mesma história de dor e de aniquilação.

 

Recuperar não significa apenas parar com o comportamento compulsivo. Esse comportamento compulsivo não apareceu do ar, não veio com uns cromos, nem foi uma intoxicação alimentar. Esses comportamentos têm causas profundas com imensas ramificações na complexidade da vida de cada um e com ramificações em aspectos da identidade de cada um, ou pelo menos naquilo a que cada um se habituou a viver e a acreditar.

Podem passar-se anos sem consumos ou sem os comportamentos da adicção de eleição e ao primeiro desabar, ao primeiro desgosto, à primeira felicidade, um momento de falta de consciência do que uma adicção é... é preciso tão pouco para recaír e tanto para recuperar.

 

Para uma recuperação poder chamar-se recuperação, é preciso alguém que compreenda, é preciso compreender, é preciso mudar tudo, mudar rotinas, mudar de companhias, mudar o cenário, os pequenos rituais, os pequenos gestos com associações que se prendem até aos mais ínfimos detalhes.

Para uma recuperação se chamar recuperação é preciso ir lá bem ao fundo, lá bem atrás e não é viável ser-se objectivo sozinho, e muito menos se for mal acompanhado.

Mal acompanhado por todos os que pertenceram à dinâmica de adição, desde os que eram iguais aos que "queriam ajudar".

Em recuperação outros precisam de surgir, com nova informação, com um novo respeito, uma identificação sincera e profunda, uma proposta séria e uma disponibilidade esclarecida para que a recuperação tenha rede no trapézio e se possa chamar recuperação.

 

É por isso que pedir ajuda é o primeiro passo. Reconhecer que temos um grande problema, que somos impotentes perante esse problema e que a bola de neve que rola descontrolada dando cabo de todo o nosso mundo; leva-nos a pedir ajuda e ao segundo passo que nos diz que algo nos vai ajudar, algo mais forte irá fazer toda a diferença.

 

Quando às famílias, precisam de recuperar também, e será melhor que não esperem que seja o adicto a fazer todo o trabalho. Por mais absurdo que pareça, por mais certeza que tenham da vossa sanidade e do vosso equilíbrio e lucidez; por favor façam a vossa dinâmica familiar passar pelo teste de uma terapia de família. Frequentem reuniões de co-dependentes anónimos, informem-se...

Não se aprende a mudar mantendo tudo sempre igual.

A adicção é uma doença de família.

~Sempre.