Famílias e amigos perguntam-se: "Porque é que não mudas de vida?!"
Para a maior parte das pessoas uma dependência ou é um problema de comportamento. Vivemos na ideia de que o que fazemos todos os dias são escolhas relacionadas com a lógica e com a nossa capacidade de manter a coerência com o que poderíamos chamar os valores básicos da vida.
O que não é fácil de compreender é que o dependente não vive nesse patamar da realidade, vive noutro, que também é comum a toda a gente, mas do qual temos menos consciência, porque funciona por automatismos e tem a ver com a química e a sobrevivência básicas.
Quando fazemos um discurso eloquente ao adicto acerca das vantagens de mudar e dos inconvenientes de se manter preso, o que fica retido é algo como Buoo-buooo-buoooo... simplesmente não faz qualquer sentido. Estamos a falar uma linguagem que não chega ao patamar onde a dependência vive. A dependência vive num patamar químico e orgânico onde o que se decide tem a ver apenas com sobreviver.
Podemos compreender melhor porque é que para sobreviver o dependente escolhe as opções claramente destrutivas se pensarmos, por exemplo, nas alergias ou nas doenças auto-imunes. São uma espécie de equívocos que colocam o corpo a lutar consigo mesmo na "ideia" de que está a defender-se e a preservar a sua sobrevivência, por vezes com sintomas muito desagradáveis e mesmo conduzindo o corpo à morte.
Um equívoco como estes conduz quimicamente o corpo a acreditar que o objecto da adicção é o garante de sobrevivência e, daí em diante não manter a dependência é o mesmo que representaría para um indivíduo saudável ficar privado de comer ou beber a título definitivo. Só que muito pior. Porque além da componente química existe a componente vivencial, que tem a ver com a doença de vida, que está notalmente enredada em convicções, traumas, crenças pessoais que conduziram a uma auto-imagem e uma noção da realidade exterior totalmente deturpadas.
Isto é verdade para todas as dependências e não apenas as químicas. na realidade todas as dependências são químicas de alguma forma. Todas nos indicam um caminho errado para a sobrevivência, e todas deturpam toda a nossa vida psiquica a fim de nos levar a esse conceito erróneo de preservação da vida a um nível neuronal que nada tem a ver com a moral ou a eloquência.
Infelizmente, família e amigos insistem em ter "aquela conversa" que vai fazer a diferença e depois entendem a "falha" do adicto como um desrespeito pessoal e uma falta de consideração para com quem o rodeia. Infelizmente porque se gasta o recurso do respeito mútuo em conversas inúteis porque se baseiam na ignorância do que está em causa. E infelizmente porque se corrompem as ferramentas de que o adicto precisa para se erguer das cinzas com culpabilizações e conflitos que minam mais do que constroem.
O adicto precisa de se tratar, sim. E costuma não querer, é verdade. É disso que se faz a doença de que sofre. É duro e doi imenso vê-lo assim e sofrer as consequências de ter assim alguem de quem gostamos, é verdade.
Este é um assunto grave, que não pode ser entendido de ânimo leve, não se trata de: Virar as costas e ir pensar noutra coisa. O adicto que se desembrulhe.
No entanto, convém saber o que fazer e não fazer, e começar a aceitar as indicações dos técnicos de saúde, e começar a fazer terapia, e começar a fazer o que for realmente útil, em lugar de continuar a fazer apenas parte de um ciclo doente, indefinidamente, na esperança de que se controlarmos da forma certa, e dissermos a palavra certa, aquela pessoa vai mudar de vida e depois fica tudo certo. Porquê?
Porque isso nunca vai suceder assim.