O adicto como convite à mudança
Onde um adicto sofre existe um claro aviso de que algo de muito errado o rodeia.
Habitualmente o adicto é o que expressa de forma mais veemente toda a dinâmica doentia em que se insere.
Infelizmente faz parte dessas dinâmicas a inconsciência dos que a ela pertencem e a tendência é para imediatamente se destacarem do adicto dizendo: Nós somos saudáveis e lúcidos e aquela pessoa é a "doente" ou a "idiota" consoante o grau de informação.
É pena porque isto cria um ciclo vicioso literalmente, do qual nem adicto nem "meio" conseguem saír.
O "meio" é a família nuclear ou os mais próximos do adicto, mas é também a comunidade alargada que olha para o adicto de forma totalmente irracional rejeitando bêbados enquanto recompensa adictos ao trabalho, isolando obesos anónimos enquanto fotografa modelos anoréticos... um absurdo que a adicção denuncia para quem esteja atento aos sinais.
O adicto é um convite à tomada de consciência de todos, mas apenas quando está em verdadeira recuperação. Quando está em queda o adicto passou a fazer parte do problema, mas em recuperação, o adicto começa a dar voz ao seu lado saudável, através do serviço que presta a outros adictos em recuperação, através do processo alquímico que trás para casa, para a sua família, ou para aqueles que o irão compreender e ouvir.
É por isso que a recuperação passa muito pelo serviço. O adicto sempre precisou de ter voz e nunca teve. Até começar a fazer serviço.
Pode fazer serviço nas suas reuniões de 12 passos, que é a forma mais sistematizada e já estruturada que existe, pode iniciar um processo de voluntariado que lhe faça sentido. Fechado sobre si o adicto não está em recuperação da sua dor social, da sua ferida com a comunidade e do seu silêncio que permitiu tanta ilusao, tanta mentira e tanto isolamento.
Enquanto comunidade, enquanto família, encurtavamos espaço se compreendessemos que existe muito a mudar, e que o adicto apenas expressou primeiro e de forma contundente algo que já devia ter sido óbvio: A adicção nasce de uma cultura aditiva, de uma circunstância potenciadora, e isso é sempre verdade.
Sempre.