O salto de um lado para o outro
Não poucas vezes em plena recuperação ou numa fase mais avançada da recuperação, e depois de tudo o que se passou, da dependência activa à recuperação (aparentemente) bem sucedida; o adicto pode sentir muita vontade de ajudar outros a saír desse inferno.
É, inclusivamente, previsível e compreensível que muitos venham a fazer cursos e formação nas áreas da psico-terapia e nas muitas áreas de prestação de cuidados.
Acontece também muitas vezes que o adicto passa a co-dependente, tentando "salvar outros", disponibilizando-se mais do que o razoável, falando horas a fio com este e aquele, tornando-se agente 24 horas por dia de serviço aos outros.
Isto é saltar de uma adicção a outra.
Nas reuniões de coda, existem muitos co-dependentes que mais não são do que adictos em plena actividade.
Salvar, ajudar, tentar mudar a realidade dos outros... tudo isto é terreno pantanoso.
O co-dependente precisa de meter nas células que existe apenas uma pessoa que tem de ajudar antes de poder virar-se para fora. Essa única pessoa, está bom de ver, é o próprio co-dependente.
Na família, nos amigos, nos outros adictos de todos os tipos de adições, nos pacientes, nos doentes, nas crianças, nos adictos com que co-habita; em todas as formas de aparente ou vulnerabilidades de alguém reside um gatilho de uma arma preparada para disparar na direcção do próprio atirador.
Também sucede que co-dependentes, pessoas que "ajudam" dependentes, ou que aceitam tudo porque "tem de ser"; passam a adictos activos.
Hábitos de vida, sofrimento constante e de longa duração, confusão entre impotência e bons resultados com desilusões subsequentes... tudo isto se pode tornar a circunstância certa para o desenvolvimento de adicções activas. Já para não falar da co-dependência.
Assim, é preciso estar atento. Ajuda-se por identificação. Cada um fala por si. Cada um cuida de si, partilhando sobre o seu processo sem influênciar os outros tentando convencendo-os de seja o que for.
Não se pode manipular, exigir, cobrar, pressionar, ajudar à força, policiar, tentar ganhar ascendente seja de que forma for. Não porque seja moralmente errado. Mas sim por ser doente.
As reuniões de co-dependentes anónimos estão cheias disso. Pessoas são pessoas. As "boas pessoas" tendem a querer ajudar. E poder ajudar com a presença. Com o amor que respeita. Respeita tanto que deixa que o outro decida ir ou ficar, caír ou erguer-se. Porque a verdade de cada um não é uma verdade universal obrigatória.
A verdade de cada um é sagrada e momento a momento.
É por isso que dizemos mais 24 horas. Porque para adictos de toda a maneira, do lado de cá e do lado de lá, é momento a momento que se dá atenção ao trilho que os pés pisam e aos gatilhos que esperam dormentes a cada curva do caminho.