Recuperação e identificação

07-04-2010 15:36

Costumamos dizer que ser identificado é ser-nos conferido um nome.

Em contexto de recuperação, a palavra identificação ganha outro sentido e é de extrema importância.

Talvez se possa dizer que os os 12 passos não são mais importantes do que a identificação, e talvez que da união entre estes dois factores de recuperação vem a sinergia necessária a que, finalmente, algo comece a mudar.

Identificação é o que sentimos quando alguém descreve algo que conhecemos e que nos faz eco.

A experiência da adição é, normalmente, de profunda solidão, mesmo que rodeados de muitas pessoas. Estamos sós na nossa impotência e na nossa confusão. Os que querem ajudar-nos não compreendem nada e os que estão igualmente em adicção activa estão em circuito fechado a objectificar tudo e todos em proveito da adicção.

Em recuperação a identificação é como um abrir de janela. Alguém descreve um lugar escuro e sombrio onde pensavamos que mais ninguém tinha estado. Alguem descreve um estado de espírito perto da insanidade completa que pensávamos ser só nossa.

É como ter passado muitos anos absolutamente convencido de que estávamos sozinhos num planeta distante, e de repente descobrir que afinal mora lá alguém como nós, que passou pelo mesmo e que encontrou saídas.

É por isso que o adicto em recuperação é quem melhor pode ajudar o adicto que quer recuperar-se.

Sem a mesma linguagem, sem experiências em comum, sem um patamar de entendimento, sem identificação, existe sempre um sentimento de uma desadequação, de uma solidão e esmagamento que contribuem largamente para o perpectuar do ciclo de dependência.

 

Essa identificação não é imediata. Não se entra numa reunião de 12 passos para encontrar logo tantos iguais a nós. A maior parte das vezes entra-se numa reunião e parecem todos saídos de um manicómio. Mas há sempre uma reunião em que os sininhos tocam, em que alguém nos fala ao coração e acorda essa luz que é a identificação.

Pode ser necessário ir a várias reuniões, a várias horas, em vários lugares.

Tal como sucede com terapeutas e terapias, dificilemente se acerta à primeira. Com as reuniões é igual.

É fundamental encontrar um padrinho ou madrinha com o qual sentimos toda essa identificação, essa ponte e essa empatia, que nos permite ficar ligados à vida e à sanidade por um elo 24 horas por dia de respeito, de compreensão e de companheirismo, num contexto sem abuso, sem mentira, sem esquemas.

Com o tempo torna-se óbvio que dentro de cada adicção, no fundo do poço somos todos iguais, muito mais iguais do que pudesse parecer. No fundo do poço está escuro e todos estamos no lodo.

A identificação cresce com a recuperação.

E a recuperação cresce com a identificação.