Tocava piano e falava francês

04-04-2010 19:42

Nascemos bebés santos, indefesos, maravilhosos, minúsculos.

Quem foi que convenceu esse bebé, que enquanto crescia se tornava impuro e imperfeito? Quando começamos a ser tão falíveis? De onde veio este medo de falhar, de ser estúpido, de perder, de não fazer suficientemente bem, de não ser suficientemente bom ou bonito?

Se as crianças são educadas por adultos que foram educados para serem bem educados, quem pode saber o que é ser ou não bem educado? Somos educados para nos adequarmos aos que já cá andavam com os mesmos problemas e vidas e situações do mundo. O mundo dos grandes não é mais perfeito que o dos pequeninos e são os grandes que educam os pequeninos... é o primeiro paradoxo.

Educamos para a standardização, para o pouco barulho, para a conformidade.

Aliás muitas famílias consideram que a solução para o adicto era a mesma adaptação à conformidade (se ao menos ela casassse, se ao menos ele trabalhasse,..)

E nós somos esses a quem a conformidade ofende quando nos ataca a individualidade, a nossa especificidade onde o que tínhamos de melhor definhou, não floriu, não brotou nem veio a brilhar, porque os modelos que nos foram apresentados não apresentavam a escolha individual.

Começava assim a história: Era uma vez um gato maltês que tocava piano e falava francês.

Dos pais que não apostam nos filhos aos que apostam 100% nos filhos, poucos são os pais que realmente conhecem os filhos. E ainda menos os que têm humildade para reconhecer isso.

Conhecer pressupõe estar atento, ouvir, observar sem modificar, sem alterar nem condicionar. Significaria receber a dádiva de cada um ser como é e nós apenas potenciarmos o melhor que viesse de cada um. Para isso era necessário amor incondicional, aceitação incondicional e consciência de que um filho não é um ser estanque que se tornou no que conhecemos, mas sim um processo sempre em transformação, com a vida toda em aberto, para nos surpreender e criar todos os dias novas potencialidades.

Claro que ninguém cresceu com pais assim, fomos moldados em formas de biscoito ou à palmada, e o resultado é o exército de robôs e contra-robôs que vemos ao nosso redor.

A verdade é que dentro desses que vemos e desses que somos, o brilho ainda está lá, a potencialidade e a pureza, mas falta auto-estima, falta "amor-social" para começarmos a deixar o outro ser quem é, para nós podermos ser quem somos.

Não temos de saber ser como é suposto. Nínguém nos conhece e provavelmente nem nós mesmos.

Então podemos começar a escrever a nossa história agora.

Não temos de ser o gato maltês. Temos de começar uma viagem de aprender a substituir frases da nossa cabeça que nos insultam desde o início desvalorizando-nos como um vírus no computador.

E quando essas gravações na nossa cabeça nos torturarem, ouvirmos com muita atenção o que dizemos a nós próprios, para depois substituírmos essas gravações por outras melhores. Nossas. E boas.